Fernanda, uma Fotógrafa
Além de fotógrafa Fernanda é uma rebelde. Costuma dizer para quem quiser ouvir, como se estivesse redigindo um verbete sobre a própria vida:
Tenho os olhos verdes como o sonho e os cabelos negros
como a noite mais profunda, mas algo me diz que não cheguei até aqui com os bolsos vazios.
Foram incontáveis horas de masturbação polÃtica, outras tantas de passarela, orgasmos a perder de vista e mais de 5.000 horas editando imagens – fora outras tantas por trás de um visor.
Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no desconhecido, como eu mergulhei. Não se preocupe em entender: a vida ultrapassa qualquer entendimento.
Clarice Lispector / Perto do Coração Selvagem
A imagem fotográfica geralmente impõe limites, imobiliza pessoas que se movimentam, gente que na realidade tem vida e movimento próprios. Para mim ela não é apenas uma forma de registro, um meio de reproduzir uma cena, mas uma forma de expressar sentimentos e emoções.
O que eu enxergo hoje por trás da objetiva não são apenas formas estáticas, agradáveis, bem equilibradas e arranjadas no espaço, mas a dimensão da minha própria existência, o prolongamento do sangue que corre em minhas veias, o suor que escorre em meu rosto.
As grandes avenidas arrebentam em cores e ruÃdos na minha cara, e todas as ruas do mundo não passam inesperadamente de um grande cenário colorido e luminoso por onde as pessoas caminham apressadas, entrando e saindo da cena, dirigidas sabe-se lá por quem.
Nas ruas elas vivem o patético e o absurdo dos contrastes, uma espécie de vida selvagem, perplexas, diante de outro monte de gente correndo de um lado para o outro – sem saber atrás do quê.
É muito difÃcil para mim, hoje, entender onde termina a fotografia e começa a minha vida. Apenas registro este digital e selvagem começo de milênio com muita raiva e com muito amor.
O mundo digital acabou ficando sufocante para todos nós.
Com isso ela resume a sua biografia.
É lógico que você percebeu. Fernanda não existe, é uma verdadeira personagem de ficção.